Dostoiévski Pode Esperar
Disse meu nome e encheu minha boca de porra. Mas não era qualquer porra, daquelas que têm gosto de cola tenaz com clorofina e farinha. A porra dele era doce. Doce mesmo, de verdade, gosto bom. Até me deixou sóbria. Eu, que tinha bebido sei lá quantas doses de whisky, fiquei sóbria quando o rapaz dos olhos mais lindos do mundo gozou na minha boca.
Adoro isso de engolir porra. Não de qualquer um, claro. Eu engulo quando a conquista é grande. E não tem essa de engolir por amor. Afinal, quem ama quer ser correspondido. E ninguém que correspondesse faria sua musa, diva, deusa, amada e adorada engolir um troço com gosto tão ruim.
Fora a dele. A dele era doce e não deixava aquele gosto impregnado. Bom pra caralho. Ele foi um daqueles que você bate o olho e quer. Pelo menos eu quis. Ele veio falar comigo, mas por incrível que pareça, fiquei sem jeito. A última vez que alguém me deixou assim foi na quarta série, quando o menino mais bonito da classe me chamou pra tomar um sorvete. Depois de se divertir me constrangendo, ele me deu o telefone e disse para ligar. Arrã. Pode deixar. Alguns dias depois, nos encontramos de novo, mas dessa vez controlei meus hormônios e fiquei cool. Mesma coisa, disse pra ligar e lançou um olharzinho sugestivo. Liga, ele disse. Arrã. Pode deixar.
Resolvi ligar às 2 da manhã de uma quinta-feira. Pouco inoportuna, hein? Saí pra beber com uns amigos, eles foram embora e eu fiquei vagando pelas ruas. Bateu uma vontade gigante de vê-lo e como eu tinha a desculpa do balaço, toquei o foda-se e liguei.
Tut. Tuuut. Tut.
Atendeu.
Oh my god.
- Olá. É a Camila. Tava dormindo?
- Não, não... Onde você tá?
- Na rua. Vem pra cá e vamos fazer alguma coisa.
- Mas fazer o quê?
Porra. Como assim, fazer o quê?
- Sei lá. O que você tá fazendo em casa?
- Lendo.
- Olhaí, podemos ler.
Ele riu. Ufa. Pelo menos não estava dormindo, é o que as pessoas costumam fazer a essa hora.
- Não sei, Camila... Estou aqui lendo Dostoievski e...
- Ah, pára! O Dostoievski pode esperar, eu não. Vem pra cá.
Não tinha como recusar. Às vezes eu tenho muito orgulho das minhas frases. Acabamos bebendo e conversando em um boteco qualquer, mas era óbvio que alguma coisa ia acontecer ali. Tensão sexual, eu adoro isso. Você sabe que a pessoa quer, você quer, mas vocês insistem em falar sobre o primeiro disco do Chet Baker.
O dono do boteco nos expulsou pra lavar o chão com suas botas sete-léguas e decidimos ir para 'outro lugar'. Rodamos, rodamos, tudo fechado. Província é foda. Paramos em uma rua, fui trocar a música do cd e ele me atacou. Huh-huh, great. Já cansei de atacar, faço isso desde os 13 anos, está na hora dos homens se redimirem comigo. Começamos bem.
E você já sabe como acabou. Ele gozando na minha boca, dentro do carro, em uma rua escura.
Homens são mesmo clichês ambulantes. Depois de gozar, ele acendeu um cigarro e soltou a fumaça com um 'ahh' de prazer. Meu deus, eles fumam depois de gozar. Tem coisa mais Óliudiana? Não tem. Talvez aquela clássica cena da garota sexy mexendo os cabelos de um lado para o outro, mas vamos combinar, é foda, fumar depois de gozar é foda.
Ele me levou pra casa. Perguntei se ele queria entrar (opá), mas ele disse que precisava ir. Então tá, eu disse. Nos vemos amanhã?, ele disse. Vemos, mas é a sua vez de ligar. Eu esgotei minha cota telefonando de madrugada, eu disse. Pode deixar, ele disse.
Mas ele não ligou. E quer saber? Azar. Sim, queria vê-lo de novo. Não desesperadamente, mas queria. Sem neuras, por favor. Foi bom e é isso que importa. Essa sensação de conseguir o que quer é divina. Especialmente quando é na medida certa. Muito não é tudo. E tudo não é demais. Demais é quando enche o saco.
por: Clarah Averbuck (Clara Averbuck Gomes)