Renaissance (1969 - 1987)
O Renaissance é um dos mais consagrados nomes da história da música progressiva. Seu nome é facilmente reconhecido pela maioria das pessoas que tenham mais de 40 anos, sejam elas ou não admiradoras do estilo.
Porque o Renaissance extrapolou os limites do movimento progressivo e chegou às paradas de sucesso em todo o planeta, inclusive aqui no Brasil. Experimente mostrar músicas como Let it Grow e Carpet of the Sun a alguem que viveu os anos 70; ela provavelmente irá se lembrar.
Porém, o que pouca gente sabe é que o Renaissance não começou com a formação que se tornou famosa no mundo todo, com Annie Haslam nos vocais, John Tout no piano, Jon Camp no baixo e vocais, Michael Dunford no violão e Terry Sullivan na bateria.
Na verdade, o Renaissance surgiu, por mais improvável que pareça, a partir de uma dissidência dos Yardbirds, banda de rock pesado que lançou Jeff Beck, Jimmy Page e Eric Clapton. Além deles, tinha Keith Relf nos vocais e Jim McCarty na bateria. Após a dissolução do Yardbirds, Keith e Jim decidiram montar uma nova banda. A idéia era se desligar do blues, e acrescentar elementos clássicos, que era a direção que muitos roqueiros mais inovadores da época estavam tomando.
E assim eles fizeram, recrutando dois excelentes músicos : o baixista Louis Cennamo e o tecladista John Hawken. Durante os ensaios, a irmã de Keith, Jane Relf, aos poucos foi tomando parte, pois a idéia de ter um vocal feminino agradava e muito aos músicos. Os elementos clássicos acrescentados por John no piano e no cravo casavam perfeitamente com a delicada voz de Jane. Juntando a isso o baixo brilhantemente executado por Louis, o diferencial estava criado. Era uma banda com elementos clássicos, folk, rock, e com uma bela dose de experimentalismo.
Em 1969, saiu seu primeiro disco, que se chamava simplesmente Renaissance. Uma obra brilhante e de certa forma atemporal, já que soa atual até hoje. Dominado pelo piano de John, abre com Kings and Queens, uma peça de mais de 10 minutos, cantada por Keith, que inicia de forma tensa e jazzística com improvisos de baixo e guitarra em cima de um tema clássico levado ao piano. Na parte central, entra um solo vocal de Jane, com Louis solando seu baixo ao fundo. No fim, o tema inicial é retomado.
A seguir, mais um longo tema cantado por Keith : Innocense. A estrutura é semelhante, porém sem a tensão de Kings and Queens. No meio da música, John executa vários temas clássicos no piano.
A canção mais famosa do disco vem a seguir : Island, uma bela melodia levada na guitarra e no piano, com Jane no vocal principal. Esta canção foi lançada em single, mas não fez sucesso. Na versão completa que está neste álbum, há mais um belo solo de piano no final, com um toque tipicamente clássico.
Wanderer, a seguir, é talvez a mais bela música do disco, e a única em que John aparece tocando cravo. Mais uma vez, Jane responde pelos vocais, em uma interpretação muito bonita.
Encerrando o lp original, mais um longo, tenso e experimental tema cantado por Keith : Bullet. Talvez a mais "díficil" de todas, ela começa com pequenos solos de piano e baixo, para depois entrar no tema principal, uma das mais estranhas letras do disco, que fala de lutas e assassinatos. Aqui, Keith faz um belo solo de gaita. Após isso, há uma parada, que se segue com intervenções de piano, e um longo e incrível solo de baixo. Sons psicodélicos assustadores encerram a música.
Relançado em cd com o nome Innocense, o álbum tem 6 ótimas faixas bônus. Começa com a linda e curta The Sea, com uma das melhores interpretações da carreira de Jane, seguida da versão reduzida de Island. Depois vem Prayer for the Light, com o baterista Jim no vocal principal (com Jane fazendo um belo vocal de fundo), é uma bonita variação de um tema que apareceria no 2º disco do grupo : Golden Thread. Depois vem Walking Away, de novo com Jim no vocal, uma agradável canção levada ao violão, com flautas ao fundo. Por fim, a psicodélica e acústica shining Where the Sun Has Been, tocada apenas por Keith e Jim, que a cantam juntos, e a bela All the Falling Angels, a última gravação feita por Keith antes de falecer, em 1976.
Um ano após o primeiro disco, e pouco após uma turnê americana, o Renaissance retornou aos estúdios para aprontar seu segundo disco : Illusions. Porém, a harmonia entre os músicos já não era a mesma, assim como a coesão mostrada no primeiro disco. Illusions é um belo disco, porém inegavelmente inferior ao seu antecessor. Destacam-se a bela Face of Yesterday e a já citada Golden Thread, além da quilométrica Past Orbits of Dust, na qual o piano é tocado por um músico convidado, pois John se retirou da banda no meio das gravações. Aliás, as gravações deste disco marcaram a dissolução da formação original, pois Jim, Keith e Louis também abandonaram o barco antes do fim das gravações. Uma das músicas, Mr. Pine, é gravada com apenas Jane como membro original, sendo todos os demais músicos recrutados por um dos substitutos que entrou no meio das gravações : o guitarrista Michael Dunford, que assina esta composição.
Tão confusa foi a situação na época que o disco acabou sendo lançado em um único lugar no mundo : Alemanha. Enquanto isso, a formação do Renaissance mudava radicalmente, tendo apenas Jane Relf como membro original.
No início dos anos 70, o Renaissance se encontrava em um período de incertezas. Seus mentores saíram no meio das gravações do 2º disco, que viria a se chamar Illusions.
No meio da turbulência, com quase todo mundo debandando, o disco foi completado com uma música chamada Mr. Pine. Os músicos que participaram desta gravação foram : Jane Relf nos vocais, John Hawken nos teclados, Neil Korner no baixo, Michael Dunford na guitarra, Terry Slade na bateria, e Terry Crowe no vocal masculino. A música era assinada por Dunford, que foi recrutado por Jim, que lhe passou o comando da banda. Junto com Michael, outra figura importante chegaria, também disfarçadamente : uma letrista amiga de Jane : Betty Thatcher, que compôs as letras de Golden Thread e Past Orbits of Dust.
Esta formação chegou a fazer alguns shows em setembro e outubro de 1970. Foi quando sofreu mais uma baixa : descontente com a mudança quase total da formação do grupo, Jane Relf também decidiu sair.
Rapidamente, o grupo arrumou uma substituta : uma cantora americana chamada Binky Cullom.
Insatisfeito também com a situação, e com a nova cantora, John Hawken, por fim, saiu, deixando a banda, menos de dois anos após sua fundação, sem nenhum dos membros originais. Mas o substituto de Hawken, também rapidamente recrutado, se tornaria, em pouco tempo, um dos símbolos da nova fase que estava por vir: John Tout.
E esta improvável e ainda mais desconhecida formação, no meio de tantas transições, ainda teve tempo de deixar um registro em vídeo (não oficial). Trata-se de um especial produzido para uma rede de tv alemã, onde a banda aparece tocando músicas dos seus primeiros discos, além de uma música inédita no final. Estão lá Terry Crowe e Binky Cullon nos vocais, Michael Dunford na guitarra e backing vocals, John Tout nos teclados, Neil Korner no baixo e Terry Slade na bateria. Neste vídeo, é possível perceber a fase de transição da banda, que ainda procurava reencontrar seu caminho. Curioso também notar que as vozes de Terry Crowe e Binky Cullon eram muito semelhantes às dos irmãos Relf, e que Dunford sempre foi um bom guitarrista, apesar de, mais tarde, praticamente abandonar este instrumento, passando a usar só o violão.
O início de 1971 traria, enfim, uma mudança fundamental : a chegada de Annie Haslam, que aprendeu o primeiro disco inteiro para o teste que faria. Curiosamente, o teste de Annie foi conduzido por Keith Relf e Jim McCarty, que continuavam trabalhando nos bastidores para dar seqüência ao Renaissance. Esta formação (não perca a conta), faria uma longa turnê européia, na qual o baixo chegou a ser tocado em alguns shows por um jovem convidado chamado John Wetton.
Foi somente em 1972 que as coisas começaram a se estabilizar. Saíram Korner e Slade (Crowe já ficou no meio do caminho) e entraram, respectivamente, Jon Camp e Terence Sullivan. Camp, além do baixo, passou a ser o responsável pelo vocal masculino, que passava a ser secundário, uma vez que a banda já se concentrava mais nos vocais de Annie. Entraria ainda o guitarrista Mick Parsons, enquanto Dunford passaria só a atuar nos bastidores como compositor.
Pensam que a acabaram as mudanças ? Não. Às vésperas de entrar no estúdio para gravar um novo disco, Mick faleceu em um acidente de carro. Rob Hendry foi recrutado para o seu lugar.
Enfim, o novo disco foi gravado, e lançado ainda em 1972. Prologue marca o início da fase mais conhecida do Renaissance, embora ainda seja repleto de componentes da fase inicial. No encarte, aparece uma nota dedicando o disco ao guitarrista Mick Parsons. E, em uma das várias fotos da parte interna da capa, aparece Binky Cullom, a vocalista que não chegou a gravar com a banda. Das 6 músicas de Prologue, 2 são parcerias de Thatcher e McCarty (que continuaria compondo para a banda até o disco seguinte, Ashes Are Burning). 2 são peças instrumentais de Dunford. E as 2 restantes inaugurariam a parceria Dunford/Thatcher.
Quase na mesma época em que Prologue inaugurava a fase consagradora do Renaissance, a sua vocalista original, Jane Relf, estrearia em carreira solo, com o single Without a Song From You/Make My Time Pass By. A primeira música é outra parceria de McCarty e Thatcher, enquanto a outra é assinada apenas por Jim. Na gravação, John Tout aparece nos teclados. Tudo em família.
Em 1972, o lançamento do primeiro álbum da nova formação do Renaissance iniciou sua fase áurea. Prologue mostrou uma mudança no estilo do grupo. Os climas tensos e viajantes praticamente desapareceram, dando lugar a uma sonoridade mais leve. Porém, permaneceu a forte ligação com a música clássica, e o piano continuava comandando o som. E nesse aspecto, John Tout mostrou-se o substituto perfeito para seu xará John Hawken. Competência de sobra e total compatibilidade com o som da banda o colocaram instantaneamente em uma posição de destaque.
Outra diferença dizia respeito aos vocais : originalmente, eles eram divididos quase meio a meio entre Keith e Jane, sendo que Keith chegava a ter uma participação maior. Isso sem contar que o ex-baterista Jim também cantava algumas músicas. A partir de Prologue, quase todo o vocal principal passou a ser concentrado em Annie. Dona de uma voz impecável, Annie se transformou rapidamente em um diferencial dentro da banda. Suas interpretações em músicas como Spare Some Love, Bound For Infinity e a faixa título são irrepreensíveis.
Ainda vale citar, porém, que uma das melhores músicas do disco era exatamente a única que não foi cantada por Annie : Kiev, uma linda balada, onde o baixista Jon Camp também mostra competência nos vocais. Camp, por sinal, também se revela um baixista de mão cheia, como aliás exigia o posto, ocupado anteriormente pelo brilhante Louis Cennamo.
Prologue foi muito bem recebido por público e crítica locais, e começou a chamar a atenção do público americano.
Em 1973, o lançamento de Ashes Are Burning projetou a banda definitivamente rumo ao estrelato. Além disso, marcou o retorno de Dunford na banda como músico. Em Ashes Are Burning, ele aparece no violão, substituindo Rob Hendry. Apesar de constar como membro convidado, Dunford tocou em praticamente todas as músicas, além de assinar praticamente todas. A parceria de Dunford e Thatcher como compositores se solidificou a partir deste disco.
Ashes Are Burning tem pelo menos dois dos maiores clássicos do grupo: Carpet of the Sun (seu primeiro e talvez maior hit mundial) e a faixa título, que conta com a participação especial do guitarrista do Wishbone Ash Andy Powell, em um antológico solo de guitarra. Além dela, ainda figuram no disco os clássicos Can You Understand e Let it Grow, esta última um grande sucesso radiofônico da banda no Brasil.
O momento era de consagração e afirmação, e ainda por cima sobrava inspiração. Assim eles seguiram em 1974 com outro fantástico trabalho : Turn of the Cards. Irretocável do início ao fim, este disco abre com a bela Running Hard (que resgata, na parte do meio, um solo de piano que já havia sido utilizado em Mr. Pine, do lp Illusions), segue com a linda balada I Think of You. A música seguinte, Things I Don’t Understand, trás um dos mais mágicos momentos da carreira da banda, no apoteótico trecho final. Este disco, por sinal, marca definitivamente a entrada de arranjos de orquestra no som do Renaissance, aproximando-os ainda mais da música clássica.
Aliás, outra característica do Renaissance que os ligava à música clássica era o uso de vários trechos de composições clássicas em sua obra. Várias músicas do lp Prologue têm trechos de peças de Rachmaninov . Em At the harbour, do Ashes are burning, há trechos de "La Cathedrale Engloutie" do Debussy. No mesmo disco, temas de Prokofiev são citados em Can You Understand.
Em 1975, mais um clássico absoluto : Scheherazade and Other Stories. O álbum é centrado em contos das mil e uma noites. Principalmente sua peça central, Song of Scheherazade, o maior dos épicos que a banda jamais fez: 25 minutos. Pela primeira vez, os membros da banda participavam efetivamente como compositores, sobretudo Jon Camp e John Tout. Além deles, a banda também aproveita trechos da suíte Scheherazade, obra clássica de Rimsky-Korsakoff.
Song of Scheherazade é uma das mais felizes junções de rock com música clássica já feitas. Mas o disco tem outro grande clássico : a melancólica Ocean Gypsy, uma das mais lindas melodias já compostas por Dunford, e uma das mais belas interpretações da carreira de Annie, que está absolutamente fantástica nesta canção.
O ano seguinte veria o lançamento do disco ao vivo que coroaria a fase dourada do grupo : o duplo Live at Carnegie Hall. Composto por material dos 4 álbuns desta formação, trata-se de um verdadeiro retrato dela. Uma orquestra sinfônica acompanha os músicos no palco, como não poderia deixar de ser, uma vez que ela já era parte muito importante do seu som. Song of Scheherazade aparece na íntegra. Ashes Are Burning ficou com 23 minutos de duração, com direito a um longo solo de baixo de Camp. Todo o disco, enfim, é de uma perfeição impressionante. A banda parece até estar no estúdio, tamanha a fidelidade aos arranjos originais.
E o show continuaria em 77, com o lançamento de mais um clássico: Novella. Composto por apenas 5 músicas, ele seria o último registro puramente clássico e acústico da banda. Continuam em ação as orquestras, pianos, órgãos e violões. Sendo que, neste disco, o baixista Jon Camp ainda acrescenta um segundo violão em alguns momentos. Novella é um dos mais belos discos dos anos 70, com destaque para três das mais lindas criações da carreira do grupo: The Sisters, Midas Man e The Captive Heart.
A coisa começaria a mudar no ano seguinte, com o lançamento de A Song For All Seasons. Este disco marcaria o retorno de guitarras ao som do grupo. Além disso, o som, que só aumentava de complexidade até então, adotou neste disco um formato mais simples, inclusive com algumas canções de curta duração. Uma delas (Back Home Once Again) até virou tema de seriado. Outra (Northern Lights) se tornaria um doa maiores sucessos do grupo. Mas, a despeito disso tudo, A Song For All Seasons é mais um grande trabalho, com belas canções como Opening Out, Day of The Dreamer, Closer Than Yesterday, e a já citada Northern Lights.
A mudança continuaria em Azure D’or, de 1979. Além do formato compacto das canções ter se acentuado, este disco marca o abandono da orquestra por parte da banda. E isso foi realmente sentido pelos fãs. Apesar disso, mais uma vez a banda acertou a mão, brindando o público com mais um grande trabalho (para muitos, o último grande disco do Renaissance). Particularmente, este que vos escreve acha Azure D’or melhor que o seu antecessor. Destacam-se músicas como Golden Key, Only Angels Have Wings, The Flood at Lyons e Kalynda.
Internamente, porém, as coisa não iam bem na banda. O trabalho duro dos últimos anos era sentido por todos, principalmente por John Tout, que ainda sofria com problemas pessoais. Um ano depois do lançamento do disco, ele decidiu sair, abrindo um grande ponto de interrogação em relação ao futuro da banda, que sempre teve seu trabalho enfocado nos teclados.
A coisa se complicaria mais com a saída de Sullivan, mais ou menos na mesma época.
A formação clássica do Renaissance estava desfeita. Nada mais seria como antes após este ano.
Annie e Michael chegaram a engatilhar um projeto paralelo, chamado Nevada, que seguia basicamente a mesma sonoridade atual do Renaissance. Mas a banda não foi além de dois singles, e algum tempo depois, ambos decidiram tocar o barco do Renaissance, recrutando o tecladista que os acompanhou no Nevada : Peter Gosling. O novo baterista se chamava Peter Barron.
O disco desta nova formação saiu em 1981. Chamava-se Camera Camera, e apresentava um Renaissance muito diferente, e de certa forma confuso. Camera Camera foi um fracasso total de vendas, apesar da turnê ter sido bem sucedida. O destaque neste álbum ficou para a última música : Ukraine Ways, talvez a única digna realmente do nome Renaissance, com uma bela melodia, um arranjo bem progressivo, com direito a um impressionante solo de guitarra de Dunford.
2 anos depois, sairia o canto de cisne da banda : Time-Line, que foi a ruptura total com a sua sonoridade original. Time-Line é formado por canções pop, quase todas num estilo tipicamente "disco". A verdade é que algumas dessas músicas eram muito boas, mas no contexto delas. Renaissance tocando músicas nesse estilo constituiu uma verdadeira heresia para os fãs tradicionais, e o disco, assim como seu antecessor, fracassou nas vendas. Jon Camp saiu, deixando Annie e Michael sozinhos no barco. Eles recrutaram novos músicos, e chegaram a fazer algumas turnês acústicas até 1987, quando a banda, oficialmente, chegou ao seu fim.
por Marcello Rothery
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